E se existisse alguém assim
Fazia tempo que eu não tinha uma noite só pra mim.
Anos depois de ter saído de casa, para experimentar a vida em uma outra cidade, cá estou de volta, em casa, no mesmo lugar aqui do lado da sacada, com minha vista pra lua.
Era desse jeito que eu sempre escrevia minhas coisas. Às vezes completamente bêbado, outras completamente depressivo, mas isso não importava muito. Nada anos atrás me importava muito. Tudo o que eu queria era por pra fora tudo que sempre ficava pra dentro.
E agora, de novo aqui no meu canto, sinto como se tivesse me reencontrado.
Se pudesse, repetiria todos os dias essa cena: eu, minha noite, uma tela em branco e a lua.
Sei que parece tudo meio idiota quando a gente revela essas coisas. Mas, curiosamente, não me importo em parecer ridículo quando estou sozinho. Meu problema é a multidão, os olhares do dia.
No fundo, acho que não passo de uma coruja que tenta passar o dia todo sem mexer a cabeça, com medo de levar pedrada. Mas à noite, exatamente aqui, bêbado ou não, parece que meu olho brilha, meu batimento acelera e as palavras surgem me fazendo cócegas.
Hoje, poderia concluir as dez poesias que tenho por terminar. Poderia escrever uma carta de amor para o meu pai, uma crônica qualquer, uma novela inteira. Porque este instante é o meu eixo. É a minha solidão e as minhas palavras me fazendo companhia, é a paz que pessoa nenhuma consegue me dar.
E quem escreve ou gosta de escrever, sabe como são essas coisas. Não há escolha. Ou você escreve ou, de alguma maneira, a vida te faz se sentir apagado. É como um karma que, mais cedo ou mais tarde, surge e vem cobrar suas palavras, suas angústias, seus sentimentos.
Para os que têm talento, acaba sendo uma benção. Para os que não tem, vale como alguns minutos de paz. Para os que se identificaram, o único jeito de realmente respirar, viver e suportar a multidão.