sábado, 29 de dezembro de 2007

Eu vim do barro


Hoje encarei uma despedida. Tive que ir ver pela última vez uma coisa que há 29 anos faz parte do que eu sou ou me tornei: a chácara.

Não foi tão difícil quanto imaginei, mas me senti como em um velório. Fui lá pra ver um defunto pela última vez. E era um defunto muito mais importante que a maioria da minha família.

Quando chegamos, algo inesperado: não tinha ninguém na casa, o novo dono não estava. Tudo estava trancado e cheio de cachorros enormes lá dentro. Ou seja, nossa missão de entregar uns documentos e buscar umas coisas que tinham ficado na casa estava pra furar.

Ficamos ali do lado de fora do portão por um certo tempo na esperança do novo dono aparecer, mas nada. O pior é que eu já estava entendendo o recado. A vida estava querendo nos ensinar algo com aquele desencontro, mas meu pai seguia resmungando do azar que ele vai morrer achando que tem.

Naquela situação, enquanto eu reparava no quanto certas árvores tinham crescido, meu pai só pensava nas coisas que ele tinha ido buscar. Redes de pesca, conjuntos de porcelana, ferramentas e etc: tudo coisa inútil pra gente ser feliz.

Aí, conforme o tempo foi passando, nossos ex-vizinhos começaram a passar ali na rua e a conversar com a gente. Cada um que passava, relembrava com a gente uma história diferente que tínhamos vivido. Histórias de festas juninas, cobras gigantes, pescarias, pessoas que morreram, que estavam pra morrer e etc.

Foi então que eu comecei a entender o que a gente realmente ia levar daquilo tudo, e que a grande lição do dia era justamente para o meu pai. O universo, da maneira mais educada e com a minha ajuda, queria demonstrar pra ele que o melhor que a gente poderia levar da chácara eram as amizades, as histórias das pessoas, e não um monte de objetos. Aquele monte de coisa que ele queria trazer pra São Paulo na verdade não tinha valor nenhum, eram só coisas. E, com a sorte do desencontro, elas finalmente ficaram pra trás.

Lá pro fim do dia, já voltando pra casa e sem nenhum objeto no carro que não fosse meu pai ou eu, vim lembrando de tudo o que vivi naquela chácara. Vim lembrando de tudo o que eu sei que nunca vou esquecer e que um dia vou sentir saudade. Como daquela vizinha linda por quem fui apaixonado por anos, das milhares de fogueiras que fiz, das punhetas que eu batia lá na bica, dos tiros com o revolver do meu pai, dos milhares de metros de grama que eu cortava a contra gosto, da água morna da piscina depois das chuvas de verão, do céu, do mato, da alegria dos meus pais...de tudo.


3 comentários:

Anônimo disse...

Grd Valini! Hoje, última logada do ano, falei pra mim mesmo: não posso terminar o ano sem ver o blog do Valini. Isso pode dar muito azar no ano novo. E aqui estou, só pra dizer o que vc certamente já sabe: seu talento transborda em cada linha. Hoje, estou preguiçoso, mas prometo que vc será o meu primeiro link do ano novo...
PS: O texto 'Eu' é hilárico e subversivo. Nota dez.

Unknown disse...

como somos masoquistas, uns por objetos, outros por lembranças, todos por memórias... de tudo, de tudo!! mais uma fase vivida sr Carlinhos, mais uma! vc reclamava mas adorava aquela grama!! bjim um abraço com muito carinho e Anos Novos pra nós! KK

Anônimo disse...

Você está aprendendo a viver... ;o) bjks